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sábado, 25 de fevereiro de 2017

Trovadorismo: sertanejo, funk e pop

Antes de começarmos este trecho, preciso dizer o seguinte: as indicações que farei de filmes e músicas durante o post serão apenas para vocês assimilarem determinadas características da escola literária. Isso não quer dizer que todos os aspectos das obras aqui apresentadas servirão para compreender o Trovadorismo por completo, são só algumas partes. Mas não se preocupem, porque vou falar quais são.

Além disso, destaco que, apesar de haver uma distinção entre as cantigas, muitas vezes elas “misturam” suas características, então não é algo cem por cento definido. Os estudiosos da literatura separam as escolas em categorias para facilitar nosso entendimento!

OBS: Já advirto: as músicas aqui utilizadas nem sempre batem com meu gosto, mas dá para usar com o intuito de ensinar, né?

A POESIA TROVADORESCA

Recebiam o título de trovadores os poetas que compunham, cantavam e instrumentavam suas próprias cantigas”. (MOISÉS, 2014, p. 20)

CANTIGA DE AMOR

Seu Jorge – Mina do condomínio

A música "Mina do condomínio", de Seu Jorge, fala sobre uma mulher inacessível. Ou seja, o homem adoraria namorá-la, mas ela não dá bola nenhuma para ele. Neste caso, a moça descrita na música pertence ao mesmo meio social do que o moço apaixonado. Observe um trecho da letra:

Eu digo "oi" ela nem nada
Passa na minha calçada
Dou bom dia ela nem liga
Se ela chega eu paro tudo
Se ela passa eu fico todo
Se vem vindo eu faço figa
eu mando um beijo ela não pega
pisco olho ela se nega
Faço pose ela não vê
Jogo charme ela ignora
Chego junto ela sai fora
Eu escrevo ela não lê

Vejamos agora como eram as cantigas de amor do Trovadorismo:

Algumas características básicas:Contém a confissão amorosa do trovador, que padece por requestar (isto é, suplicar por) uma dama inacessível, em consequência da sua condição social superior ou de ele afastar para longe a preocupação com a sua posse, impedido pelo sentimento espiritualmente que o domina”. (MOISÉS, 2014, p. 20)

Veja que, no exemplo de cantiga de amor abaixo, há uma mistura entre uma canção de amor e de amigo, pois o trovador, apesar de lamentar a falta da dama, ele possivelmente a viu nua em algum momento anterior. Observe:

No mundo non me sei parelha,
mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós – e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mau dia me levantei,
que vos enton não vi fea!
E, mia senhor, dês aquel di’, ai!
me foi a mi mui mal,
e vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d’haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vós houve nen hei
valia dũa correa.¹

                       (Cancioneiro da Ajuda, ed. Cit.,
                                   Vol. I, p. 82, cantiga 38.)

CANTIGA DE AMIGO

Maiara e Maraísa - Dez Por Cento

No Trovadorismo só os homens tinham voz, assim sendo, as moças, quando queriam lamentar suas dores de amor, “emprestavam” seus lamentos ao trovador, que cantava por elas. Nesta música (“Dez por cento”, de Maiara e Maraísa), a moça está se lamentando, mas não é para uma outra mulher (mãe ou amiga) e sim para um garçom, como vemos na letra abaixo:

Garçom troca o dvd
Que essa moda me faz sofrer
E o coração não aguenta
Desse jeito você me desmonta
Cada dose cai na conta e os 10% aumenta

Outro ponto diferente e importante na canção de amigo é: na canção vemos as cantoras lamentarem por causa de um amor acabado, mas não sabemos o motivo:

A terceira música nem acabou
Eu já to lembrando da gente fazendo amor
Celular na mão mas ele não ta tocando
Se fosse ligação nosso amor seria engano.

Moisés (2014, p. 26) aponta que a cantiga de amigo:

Contém a confissão amorosa da mulher, geralmente do povo (pastora, camponesa, etc.). Sua coita [aflição] nasce de entreter amores com um trovador que a abandona, demora para chegar, ou está no serviço militar (fossado). A moça dirige-se à mãe, às amigas, aos pássaros, às fontes, às flores, etc., mas quem compõe ainda é o trovador. Ao invés do idealismo da cantiga de amor, a de amigo respira realismo em toda sua extensão; daí o vocábulo amigo significar namorado e amante”.

Abaixo um exemplo de cantiga de amigo, em que a moça pergunta a alguém sobre seu amado, recebendo uma resposta sobre seu namorado:

- Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
          Ai, Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
          Ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
          Ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi á jurado?
          Ai, Deus, e u é?

- Vos me perguntades pólo voss’amigo?
E eu ben vos digo que é san’e vivo:
          Ai, Deus, e u é?

Vos me perguntades pólo voss’amado?
E eu ben vos digo que é viv’e sano:
          Ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san’e vivo:
e seerá vosc’ant’o prazo saído:
          Ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv’e sano:
e seerá vosc’ant’o prazo passado:
          Ai, Deus, e u é?²

                       (Ibidem, pp. 19-20.)


CANTIGA DE ESCÁRNIO E MALDIZER


a) Escárnio
Perla - Vacilão

Na canção “Vacilão”, cantada por Perla, o nome do moço não é citado em nenhum momento. No lugar de nomeá-lo, a moça prefere colocar um apelido nele. Esse apelido é pejorativo, mas não tão forte (assim como a palavra “bobo”, também utilizada na letra, é mais uma forma de só zombar de alguém que se deu mal:

Deu mole pra caramba, tremendo vacilão
Tá todo arrependido, vai comer na minha mão,
Pensou que era o cara, mas não é bem assim,
Agora baba, bobo
Vai correr atrás de mim

Como aponta Moisés (2014, p. 34):

“(...) a cantiga de escárnio conteria sátira indireta, realizada por intermédio do sarcasmo, da zombaria e de uma linguagem de sentido ambíguo”.

Em outras palavras, a cantiga de escárnio vai tirar sarro de alguém de forma disfarçada, por baixo dos panos. Porém, no exemplo a seguir, vocês notarão que há citação de um nome, típico da canção de maldizer.

Rui Queimado morreu con amor
en seus cantares, par Sancta Maria,
por ũa dona que gran ben queria,
e, por se meter por mais trobador,
porque lh’ela non quis [o] ben fazer,
fez-s’el en seus cantares morrer,
mas ressurgiu depois ao tercer dia!
Esto fez el por ũa sa senhor
que quer gran ben, e mais vos en diria:
porque cuida que faz i maestria,
e nos cantares que fez a sabor
de morrer i e desi d’ar viver;
esto faz el que x’o pode fazer,
mas outr’omen per ren non [n] o faria.

E non há já de as morte pavor,
senon sa morte mais la temeria,
mas sabe ben, per as sabedoria,
que viverá, dês quando morto for,
e faz-[s’]en seu cantar morte prender,
desi ar viver: vede que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria.

E, se mi Deus a min desse poder,
qual oi’ el há, pois morrer, de viver,
jamais morte nunca temeria³

(J. J. Nunes, Crestomatia Arcaica, 3ª ed.,
Lisboa: Clássica, 1943, p. 400)

b) Maldizer

Latino - Renata

A música cantada por Latino claramente fala mal de uma pessoa, e, no caso, ainda cita um nome: Renata. Vejam na letra retirada do Vagalume

Renata ingrata, trocou o meu amor por uma ilusão
Renata ingrata, quem planta sacanagem, colhe solidão

E o que isso tem a ver com a cantiga de maldizer? Segundo Moisés (2014, p. 34):

“(...) a cantiga de maldizer encerraria sátira direta, agressiva, contundente, e lançaria mão duma linguagem objetiva e sem disfarce algum...”

Ou seja, a cantiga de maldizer xinga com clareza e muitas vezes cita nomes ou posições sociais (rei, rainha, etc.).

Ai dona fea! foste-vos queixar
porque vos nunca louv’en meu trobar
mais ora quero fazer un cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Ai dona fea! se Deus mi perdon!
e pois havedes tanto gran coraçon
que vos eu loe em esta razon,
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos lorei:
dona fea, velha e sandia!

(Oskar Nobiling, As Cantigas de D. Joan
Garcia de Guilhade, Erlangen, 1907, p. 67.)


A PROSA TROVADORESCA


Brave Heart (Coração Valente)

Infelizmente não consegui encontrar o trailer dublado, mas deixo a sinopse do filme, feita pelo Adoro Cinema http://www.adorocinema.com/filmes/filme-10080/. É só clicar no link.

A prosa, na época do trovadorismo, é representada pelas novelas de cavalaria, os livros de linhagens, as hagiografias [estudo que conta a vida de um santo] e os cronicões [coleção de crônicas medievais]. Os livros de linhagens eram listas de nomes que estabeleciam nexos genealógicos entre famílias fidalgas. Os cronicões, não raro escritos em latim, apresentam escasso valor literário, embora constituam os primeiros documentos historiográficos em Portugal”. (MOISÉS, 2014, p. 38)

CARACTERÍSTICAS DA PROSA TROVADORESCA

Por qual motivo escolhi Brave Heart (Coração Valente)?

O filme mostra alguns aspectos das novelas de cavalaria. Segundo o site Toda Matéria, alguns deles são:

- Temas heroicos e mitológicos (Wallace é o herói de Brave Heart);
- Relato de acontecimentos históricos (luta da Escócia contra a Inglaterra);
- Aventuras fantásticas e situações dramáticas (o drama seria a morte da esposa de Wallace);
- Personagens: cavaleiros, heróis e donzelas (Wallace, sua esposa, a rainha, etc.);
- Sublimação do amor profundo (casamento de Wallace, mesmo proibido).

Ainda segundo Moisés (2014, p. 38):

Originárias da França e, remotamente, da Inglaterra, as novelas de cavalaria resultaram da prostificação das canções de gesta (poemas de assunto épico). Organizavam-se em três ciclos: o ciclo bretão ou arturiano, em torno do Rei Artur; o ciclo carolíngio, protagonizado por Carlos Magno e os doze pares da França; o ciclo clássico, de temas greco-latinos”.

O principal ciclo em Portugal foi o bretão. De relevante para Portugal é A Demandado Santo Graal. Para quem não sabe, o Santo Graal, segundo o site Mundo Estranho, resumidamente, “é uma lenda que atribui poderes divinos a um cálice sagrado, que teria sido usado por Jesus na última ceia”.

Em relação a essa história, temos duas obras - a segunda é um pouco mais recente -, que podem ilustrar bem essa procura. O primeiro é o filme “A última cruzada”, que mostra uma aventura de Indiana Jones. Lembrando que as novelas de cavalaria se passavam na época das cruzadas.

Indiana Jones – A última cruzada

Por fim, a outra dica que posso deixar para vocês é a música “Holy Grail”, de Jay-Z e Justin Timberlake. Confesso que essa foi uma indicação de dois colegas de graduação, porém não sei se posso citar nomes, mesmo para dar os créditos, mesmo assim, agradeço a vocês, meninos. A música vai falar de relacionamento amoroso, mas também cita o Santo Graal.

Holy Grail


Notas:

¹ - Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos, de Massaud Moisés, página 20.

² - Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos, de Massaud Moisés, página 29.

³ - Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos, de Massaud Moisés, página 34 e 35.

- Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos, de Massaud Moisés, página 36.

Bibliografia:

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2013.

Fontes:


  











4 comentários:

  1. Parabéns, meninas! Ótimo para os alunos e os professores. Didático e divertido! Beijos! Fe Basílio ♥

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  2. Adorei! Estou usando no meu trabalho e dando os devidos créditos.

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  3. Que conteúdo incrível de verdade, eu amei ! Não há como amar essa explicação ! meus alunos adoraram !

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  4. Nossa me ajudou muito mesmo!
    Obrigada pelo post ♡

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