Antes
de começarmos este trecho, preciso dizer o seguinte: as indicações que farei de
filmes e músicas durante o post serão apenas para vocês assimilarem
determinadas características da escola literária. Isso não quer dizer que todos
os aspectos das obras aqui apresentadas servirão para compreender o
Trovadorismo por completo, são só algumas partes. Mas não se preocupem, porque
vou falar quais são.
Além
disso, destaco que, apesar de haver uma distinção entre as cantigas, muitas
vezes elas “misturam” suas características, então não é algo cem por cento
definido. Os estudiosos da literatura separam as escolas em categorias para
facilitar nosso entendimento!
OBS: Já advirto: as músicas aqui
utilizadas nem sempre batem com meu gosto, mas dá para usar com o intuito de
ensinar, né?
A POESIA TROVADORESCA
“Recebiam o título de
trovadores os poetas que compunham, cantavam e instrumentavam suas próprias
cantigas”. (MOISÉS, 2014, p. 20)
CANTIGA DE AMOR
Seu Jorge – Mina do
condomínio
A
música "Mina do condomínio", de Seu Jorge, fala sobre uma mulher inacessível. Ou
seja, o homem adoraria namorá-la, mas ela não dá bola nenhuma para ele. Neste
caso, a moça descrita na música pertence ao mesmo meio social do que o moço
apaixonado. Observe um trecho da letra:
Eu
digo "oi" ela nem nada
Passa
na minha calçada
Dou
bom dia ela nem liga
Se
ela chega eu paro tudo
Se
ela passa eu fico todo
Se
vem vindo eu faço figa
eu
mando um beijo ela não pega
pisco
olho ela se nega
Faço
pose ela não vê
Jogo
charme ela ignora
Chego
junto ela sai fora
Eu
escrevo ela não lê
Vejamos
agora como eram as cantigas de amor do Trovadorismo:
Algumas características básicas: “Contém a confissão amorosa do
trovador, que padece por requestar (isto
é, suplicar por) uma dama inacessível, em consequência da sua condição
social superior ou de ele afastar para longe a preocupação com a sua posse,
impedido pelo sentimento espiritualmente que o domina”. (MOISÉS, 2014, p. 20)
Veja
que, no exemplo de cantiga de amor abaixo, há uma mistura entre uma canção de
amor e de amigo, pois o trovador, apesar de lamentar a falta da dama, ele possivelmente a viu nua em algum momento anterior. Observe:
No mundo non me sei parelha,
mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós
– e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em
saia!
Mau dia me levantei,
que vos enton não vi fea!
E, mia senhor, dês aquel di’, ai!
me foi a mi mui mal,
e vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d’haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vós houve nen hei
valia dũa correa.¹
(Cancioneiro da Ajuda,
ed. Cit.,
Vol. I, p.
82, cantiga 38.)
CANTIGA DE AMIGO
Maiara e Maraísa -
Dez Por Cento
No
Trovadorismo só os homens tinham voz, assim sendo, as moças, quando queriam lamentar
suas dores de amor, “emprestavam” seus lamentos ao trovador, que cantava por
elas. Nesta música (“Dez por cento”, de Maiara e Maraísa), a moça está se
lamentando, mas não é para uma outra mulher (mãe ou amiga) e sim para um
garçom, como vemos na letra
abaixo:
Garçom troca o dvd
Que
essa moda me faz sofrer
E o coração não aguenta
Desse
jeito você me desmonta
Cada
dose cai na conta e os 10% aumenta
Outro
ponto diferente e importante na canção de amigo é: na canção vemos as cantoras
lamentarem por causa de um amor acabado, mas não sabemos o motivo:
A
terceira música nem acabou
Eu já to lembrando da gente fazendo amor
Celular
na mão mas ele não ta tocando
Se fosse ligação nosso amor seria engano.
Moisés
(2014, p. 26) aponta que a cantiga de amigo:
“Contém a confissão
amorosa da mulher, geralmente do povo (pastora, camponesa, etc.). Sua coita [aflição] nasce de entreter amores
com um trovador que a abandona, demora para chegar, ou está no serviço militar
(fossado). A moça dirige-se à mãe, às
amigas, aos pássaros, às fontes, às flores, etc., mas quem compõe ainda é o
trovador. Ao invés do idealismo da cantiga de amor, a de amigo respira realismo
em toda sua extensão; daí o vocábulo amigo
significar namorado e amante”.
Abaixo
um exemplo de cantiga de amigo, em que a moça pergunta a alguém sobre seu
amado, recebendo uma resposta sobre seu namorado:
- Ai
flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é?
Ai
flores, ai flores do verde ramo,
se
sabedes novas do meu amado?
Ai, Deus, e u é?
Se
sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é?
Se
sabedes novas do meu amado,
aquel
que mentiu do que mi á jurado?
Ai, Deus, e u é?
- Vos me perguntades pólo voss’amigo?
E eu
ben vos digo que é san’e vivo:
Ai, Deus, e u é?
Vos me perguntades pólo voss’amado?
E eu
ben vos digo que é viv’e sano:
Ai, Deus, e u é?
E eu
ben vos digo que é san’e vivo:
e
seerá vosc’ant’o prazo saído:
Ai, Deus, e u é?
E eu
ben vos digo que é viv’e sano:
e
seerá vosc’ant’o prazo passado:
Ai, Deus, e u é?²
(Ibidem, pp. 19-20.)
CANTIGA DE ESCÁRNIO E MALDIZER
a) Escárnio
Perla - Vacilão
Na
canção “Vacilão”, cantada por Perla, o nome do moço não é citado em nenhum
momento. No lugar de nomeá-lo, a moça prefere colocar um apelido nele. Esse
apelido é pejorativo, mas não tão forte (assim como a palavra “bobo”, também
utilizada na letra,
é mais uma forma de só zombar de alguém que se deu mal:
Deu
mole pra caramba, tremendo vacilão
Tá
todo arrependido, vai comer na minha mão,
Pensou
que era o cara, mas não é bem assim,
Agora
baba, bobo
Vai
correr atrás de mim
Como
aponta Moisés (2014, p. 34):
“(...) a cantiga de
escárnio conteria sátira indireta, realizada por intermédio do sarcasmo, da
zombaria e de uma linguagem de sentido ambíguo”.
Em
outras palavras, a cantiga de escárnio vai tirar sarro de alguém de forma
disfarçada, por baixo dos panos. Porém, no exemplo a seguir, vocês notarão que
há citação de um nome, típico da canção de maldizer.
Rui
Queimado morreu con amor
en
seus cantares, par Sancta Maria,
por ũa
dona que gran ben queria,
e,
por se meter por mais trobador,
porque
lh’ela non quis [o] ben fazer,
fez-s’el
en seus cantares morrer,
mas
ressurgiu depois ao tercer dia!
Esto
fez el por ũa sa senhor
que
quer gran ben, e mais vos en diria:
porque
cuida que faz i maestria,
e
nos cantares que fez a sabor
de
morrer i e desi d’ar viver;
esto
faz el que x’o pode fazer,
mas
outr’omen per ren non [n] o faria.
E
non há já de as morte pavor,
senon
sa morte mais la temeria,
mas
sabe ben, per as sabedoria,
que
viverá, dês quando morto for,
e
faz-[s’]en seu cantar morte prender,
desi
ar viver: vede que poder
que
lhi Deus deu, mais que non cuidaria.
E,
se mi Deus a min desse poder,
qual
oi’ el há, pois morrer, de viver,
jamais
morte nunca temeria³
(J. J. Nunes,
Crestomatia Arcaica, 3ª ed.,
Lisboa: Clássica, 1943,
p. 400)
b) Maldizer
Latino - Renata
A
música cantada por Latino claramente fala mal de uma pessoa, e, no caso, ainda
cita um nome: Renata. Vejam na letra retirada do Vagalume:
Renata ingrata, trocou o meu amor por
uma ilusão
Renata ingrata, quem planta sacanagem,
colhe solidão
E o
que isso tem a ver com a cantiga de maldizer? Segundo Moisés (2014, p. 34):
“(...) a cantiga de
maldizer encerraria sátira direta, agressiva, contundente, e lançaria mão duma
linguagem objetiva e sem disfarce algum...”
Ou
seja, a cantiga de maldizer xinga com clareza e muitas vezes cita nomes ou
posições sociais (rei, rainha, etc.).
Ai dona fea! foste-vos queixar
porque
vos nunca louv’en meu trobar
mais
ora quero fazer un cantar
en
que vos loarei toda via;
e
vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Ai dona fea! se Deus mi perdon!
e
pois havedes tanto gran coraçon
que
vos eu loe em esta razon,
vos
quero já loar toda via;
e
vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
en
meu trobar, pero muito trobei;
mais
ora já un bon cantar farei
en
que vos loarei toda via;
e
direi-vos como vos lorei:
dona fea, velha e sandia!⁴
(Oskar Nobiling, As Cantigas de D. Joan
Garcia de Guilhade, Erlangen, 1907, p. 67.)
A PROSA TROVADORESCA
Brave Heart (Coração
Valente)
Infelizmente
não consegui encontrar o trailer dublado, mas deixo a sinopse do filme, feita
pelo Adoro Cinema http://www.adorocinema.com/filmes/filme-10080/.
É só clicar no link.
“A prosa, na época do
trovadorismo, é representada pelas novelas de cavalaria, os livros de
linhagens, as hagiografias [estudo que conta a vida de um santo] e os cronicões
[coleção de crônicas medievais]. Os livros de linhagens eram listas de nomes
que estabeleciam nexos genealógicos entre famílias fidalgas. Os cronicões, não
raro escritos em latim, apresentam escasso valor literário, embora constituam
os primeiros documentos historiográficos em Portugal”. (MOISÉS, 2014, p. 38)
CARACTERÍSTICAS DA
PROSA TROVADORESCA
Por qual motivo
escolhi Brave Heart (Coração Valente)?
O filme mostra alguns aspectos das novelas de cavalaria.
Segundo o site Toda Matéria,
alguns deles são:
- Temas heroicos e mitológicos (Wallace é o herói de Brave
Heart);
- Relato de acontecimentos históricos (luta da Escócia
contra a Inglaterra);
- Aventuras fantásticas e situações dramáticas (o drama
seria a morte da esposa de Wallace);
- Personagens: cavaleiros, heróis e donzelas (Wallace, sua
esposa, a rainha, etc.);
- Sublimação do amor profundo (casamento de Wallace, mesmo
proibido).
Ainda segundo Moisés (2014, p. 38):
“Originárias da
França e, remotamente, da Inglaterra, as novelas de cavalaria resultaram da
prostificação das canções de gesta (poemas
de assunto épico). Organizavam-se em três ciclos: o ciclo bretão ou arturiano,
em torno do Rei Artur; o ciclo carolíngio,
protagonizado por Carlos Magno
e os doze pares da França; o ciclo
clássico, de temas greco-latinos”.
O
principal ciclo em Portugal foi o bretão. De relevante para Portugal é A Demandado Santo Graal.
Para quem não sabe, o Santo Graal, segundo o site Mundo Estranho, resumidamente, “é uma lenda que atribui poderes divinos a um cálice sagrado,
que teria sido usado por Jesus na última ceia”.
Em
relação a essa história, temos duas obras - a segunda é um pouco mais recente -,
que podem ilustrar bem essa procura. O primeiro é o filme “A última cruzada”,
que mostra uma aventura de Indiana Jones. Lembrando que as novelas de cavalaria
se passavam na época das cruzadas.
Indiana Jones – A
última cruzada
Por
fim, a outra dica que posso deixar para vocês é a música “Holy Grail”, de Jay-Z
e Justin Timberlake. Confesso que essa foi uma indicação de dois colegas de
graduação, porém não sei se posso citar nomes, mesmo para dar os créditos, mesmo
assim, agradeço a vocês, meninos. A música vai falar de relacionamento amoroso,
mas também cita o Santo Graal.
Holy Grail
Notas:
¹ - Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos,
de Massaud Moisés, página 20.
² - Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos,
de Massaud Moisés, página 29.
³ - Cantiga retirada do livro A literatura portuguesa através dos textos,
de Massaud Moisés, página 34 e 35.
⁴ - Cantiga
retirada do livro A literatura portuguesa
através dos textos, de Massaud Moisés, página 36.
Bibliografia:
MOISÉS,
Massaud. A literatura portuguesa através
dos textos. São Paulo: Cultrix, 2013.
Fontes:
Parabéns, meninas! Ótimo para os alunos e os professores. Didático e divertido! Beijos! Fe Basílio ♥
ResponderExcluirAdorei! Estou usando no meu trabalho e dando os devidos créditos.
ResponderExcluirQue conteúdo incrível de verdade, eu amei ! Não há como amar essa explicação ! meus alunos adoraram !
ResponderExcluirNossa me ajudou muito mesmo!
ResponderExcluirObrigada pelo post ♡